Olhares Sensíveis

Este blog é destinado à exposição de composições fotográficas e assuntos relacionados à fotografia.

"Fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração."
Henri Cartier-Bresson

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Henri Cartier-Bresson

22 de agosto de 1908 (Chanteloup-en-Brie, Seine-et-Marne, França) — 2 deagosto de 2004, (Cereste,Vaucluse,França).

Um dos mais importantes fotógrafos do século XX, considerado por muitos como o pai do fotojornalismo. Cartier-Bresson era filho de pais de uma classe média. Quando criança, ganhou uma câmera fotográfica Box Brownie, com a qual produziu inúmeros instantâneos.
Em 1931, aos 22 anos, Cartier-Bresson viajou à África, onde passou um ano como caçador.Porém, uma doença tropical obrigou-o a retornar à França. Foi nesse período, durante uma viagem à Marselha, que ele descobriu verdadeiramente a fotografia, inspirado por uma fotografia do húngaro Martin Munkacsi, publicada na revista Photographies, mostrando três rapazes negros a correr em direção ao mar, no Congo.
Quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, Bresson serviu o exército francês. Juntou-se à Resistência Francesa em sua guerrilha pela liberdade. Quando a paz se restabeleceu, Cartier-Bresson, em 1947, fundou a agência fotográfica Magnum junto com Bill Vandivert, Robert Capa, George Rodger e David Seymour. Começou também o período de desenvolvimento sofisticado de seu trabalho. Revistas como a Life, Vogue e Harper's Bazaar contrataram-no para viajar o mundo e registrar imagens únicas. Tornou-se o primeiro fotógrafo da Europa Ocidental a registrar a vida na União Soviética de maneira livre. Fotografou os últimos dias de Gandhi e os eunucos imperiais chineses, logo após a Revolução Cultural.
Em 1960, uma megaexposição com quatrocentos trabalhos rodou os Estados Unidos em uma homenagem ao nome forte da fotografia.

A seguir, três fotografias de Bresson:
A criança e uma senhora de óculos roubam a cena diante da seriedade dos militares.

O click no momento perfeito.


A foto mostra uma pessoa e um gatinho, no ar paira solidão, e um busca abrigo na companhia do outro. E claro, o quanto eles são insignificantes (pequenos) diante das construções humanas.

2 comentários:

Marcos Vieira disse...

A DIMENSÃO ESTÉTICA DO CUIDADO – ASPECTOS FILOSÓFICOS


Enéas Rangel Teixeira



Resumo Trata-se de uma reflexão sobre o cuidado numa perspectiva estética - sensível. O cuidado está relacionado à manutenção e a prevenção da vida. Existem construções filosóficas, humanas, biológicas e científicas sobre o cuidado humano, que o caracteriza como polissêmico. O cuidado de enfermagem é delimitado por princípios éticos, técnicos científicos e institucionais, que o diferencia das demais práticas de cuidado. Entretanto é importante compreender e respeitar as transversalidades existentes no cuidado, que é possível através de uma atitude transdisciplinar.



Palavras – Chaves – Cuidado, Enfermagem, Filosofia



Introdução

Esse estudo trata-se de uma reflexão sobre o cuidado de enfermagem, distinguindo-o do cuidado humano geral. O texto se afunila na dimensão estética, considerada também como a dimensão sensível do cuidado e suas transversalidades.
O cuidado é essencial para a vida, todos nós o realizamos e dependemos também do outro para ser cuidado. Esse recurso humano está relacionado à manutenção e a prevenção da vida. Existem construções filosóficas, teológicas, estética, ética e técnico científica na arte de cuidar. O cuidado é portanto, relacional, afetivo e formador de vínculos; aspectos que se exemplificam nas relações humanas mais íntimas, como no contexto familiar, nas relações amorosas e amizades. Como diz o ditado popular quem ama cuida e deseja bem para o outro, de modo que o caracteriza como relacional e que mantém a vida.
O cuidado é abrangente e envolve o humano e o animal. No ser humano é mediatizado pela linguagem e pela construção cultural. O cuidado passa pelo processo de aprendizado, as pessoas aprendem a se cuidar e cuidar do outro. Isso se exemplifica desde o nascimento, passando pela vida, até a morte. O cuidado abarca as práticas populares até as atividades técnicas científicas e artísticas
O termo cuidado polissêmico e abrangente, de modo que existe uma pluralidades de práticas e saberes de cuidados com corpo. Muitas formas de cuidar do corpo nos são familiares e outros não são. A forma de cuidar de si recebe influências da lógica de mercado, da moda, da religião, do senso comum e da classe social que o sujeito faz parte. O cuidado é intrínseco à humanidade e tem até sua dimensão ecológica e cósmica (Boff, 1999)
Nessa perspectiva, quando se fala de cuidado de enfermagem, temos uma singularidade, pois nem tudo é cuidado de enfermagem, é e importante ter esse discernimento. Nightingale no século XIX (1989), já dizia o que era e o que não era enfermagem, mas ao mesmo tempo afirmava ser essa profissão uma arte, dentro do contexto inglês daquele século. Ela também trazia à tona a questão ecológica e estética do cuidado.
Orem ( 1993 ) distinguiu o cuidado universal do sujeito e a especificidade do cuidar de enfermagem. Então estamos diante de um aspecto ontológico do cuidar, no qual a enfermagem faz parte e apresenta atravessamentos próprios do humano, mas que mediatizado pelo crivo da organização, da estruturação dos saberes e das práticas da saúde na modernidade.

É importante ressaltar que esse cuidado de enfermagem organizou-se por paradigmas: religiosos, newtoniano-cartesiano, holístico e ecológico e estético e ético. Agora no pós-moderno, até mesmo por uma atitude transdisciplinar (Nicolescu,1999, Domingues, 2004, 2005), nos colocamos numa posição reflexiva, teórica-filosófica e de pesquisas empíricas de campo, para tentar quiçá, respostas e homogeneização desse cuidar em enfermagem, diante do processo caosmótico da vida humana, política e ecológica.

Nesse panorama, estudos de outras disciplinas abrem os poros, permitam novos olhares sobre o cuidar, diante do contexto global da vida planetária. Em decorrência disso, a produção de conhecimento em enfermagem precisa estudar a sua especificidade, bem como o contexto e as transversalidades existentes no território do cuidado. Isto evoca, obviamente uma atitude transdisciplinar do cuidado com o corpo.



As dimensões estéticas, sensíveis e relacionais do cuidado



Gostaria de falar sobre o aspecto sensível e amoroso do cuidado, mas no sentido desse cuidado “universal” e posteriormente discorrer sobre tais atravessamentos na enfermagem, que é um cuidado institucionalizado com suas vertentes éticas, estéticas, técnicas e científicas.

O sensível, enquanto substantivo, está relacionado aos sentidos, tais como a percepção das cores, sabores, ambiente, movimentos e intuições. Enquanto adjetivo, o sensível se refere ao que provoca sentimentos, tanto ternos, quanto hostis (Lalande, 1996, p. 94, 95). Uma ação acolhedora e simpática, por exemplo, gera sentimentos positivos no outro, enquanto atitudes hostis podem levar a reações defensivas e agressivas. A partir deste panorama filosófico, discute-se a dimensão sensível do cuidado e suas subjetividades.

O cuidado como algo genuíno da espécie humana, envolve as dimensões amorosas, que constrói os grupos sociais. O qual é necessário para manter a vida, que implica em investimento afetivo e investimento de capital, pois segundo a sociedade capitalista para se cuidar implica numa economia financeira e não só libidinal

Os estudos de Maturana e Varela (2001, p.268, 269) indicam que a base da vida social, da interação entre os sujeitos e da construção da vida em sociedade está no amor.


A esse ato de ampliar nosso domínio cognitivo reflexivo - que sempre implica uma experiência nova -, podemos chegar pelo raciocínio ou, mas diretamente, porque alguma circunstância nos leva a ver o outro como um igual, um ato que habitualmente chamamos de amor. Além do mais, tudo isso nos permite perceber que o amor, ou seja, se não quisermos usar uma palavra tão forte, a aceitação do outro junto a nós na convivência, é o fundamento biológico do fenômeno social. Sem amor, sem aceitação do outro junto a nós, não há socialização, e sem este não há humanidade.



Maturana e Varela (2001) ressaltam a reciprocidade, a preocupação com o outro, como biológica e intrínseca ao ser humano. Assim, cada vez que o sujeito investe no outro, está indiretamente investindo afetivamente em si mesmo. Nessa perspectiva o cuidado do outro envolve uma questão amorosa, quando se parte de um grupo natural, família, amigos, pessoas, grupos solidário entre outros.

Esta dimensão amorosa do cuidado humano é tratada na enfermagem, quando Waldow (2001) fala do resgate do humano no cuidado. A autora menciona trabalhos de pesquisas com enfermeiras, as quais trazem à tona a base amorosa da enfermagem, o cuidado relacionado com a interação, ajuda, respeito, afetivo, toque e amor (Waldow, 2001, p. 101).

É evidente, que o cuidado processa-se por meio do contato, da aproximação com o outro, que tem uma base amorosa, no sentido de respeito, compreensão, afeto e solidariedade. É importante ser solidário e afetuoso, mas ao mesmo tempo, precisa-se saber lidar com essa afetividade para não se molestar e nem lesar o outro.

O amor tem potencialidade de mudança e ação transformadora, é banhado pelos devires políticos, éticos e estéticos. Isto implica numa educação crítica dos conceitos e ações, mas que também trabalhe com as emoções envolvidas no processo. Por isto, entendo que a abordagem da subjetividade permite tal possibilidade, sensível, crítica e transformadora.

Realmente, trabalhar no território estético constitui um desafio, mas ao mesmo tempo, motiva a buscar a novidade, seguindo os fluxos dos devires, que implica, evidentemente, em conhecer nossas atitudes, desejos e aspirações. Isto passa por um processo de contato com o pensamento, a palavra, o corpo, o sentimento e a ação. Com efeito, estar-se-á em condição de permitir a emersão do sensível que envolve os saberes e práticas de cuidado.

Há de se convir que a dimensão sensível do cuidado lida com as emoções no sentido de potencializar as ações e com as subjetividades envolvidas nas habilidades, sensações e produções teóricas. Enfim, tal atitude traz à tona uma outra abordagem do corpo, distinguindo-se da visão mecanicista, da medicina dos órgãos para uma visão vitalista de um corpo vivo, psíquico e estético.

Destarte, pode-se falar, com certa propriedade, do componente estético do cuidado, pois essa forma de cuidar é essencial para a vida. O sentir no processo de cuidar constitui uma realidade que precisa ser trabalhada, como um componente da vida humana, de suas qualidades e ações. O estético, nesse campo, envolve o sensível, o gosto, o acolhimento e a expressividade inerentes e implicados no cuidado do outro e dos grupos sociais.

Nas perspectivas, estéticas, éticas, transdisciplinares e da complexidade, o corpo não é mais mecânico; é um corpo que sofre metamorfose, imbricado de desejo e subjetividade, que interage de modo dinâmico com o social. Conseqüentemente, o cuidado com o corpo (real, simbólico e imaginário que se interceptam ― por um processo caosmótico) descola-se do esteio realista positivista, da nosografia biomédica e da lógica do necessário para o campo do gosto, do sensível e do ético.

A dimensão estética do cuidado não pode ser considerada secundária a outras modalidades do cuidado, mas é uma outra forma de competência, que redimensiona as práticas de cuidados diretos e indiretos com o corpo. Esta abordagem abre margem para a criatividade, o valor da vida, os sentimentos e a ecologia no cuidado. A sensibilidade, neste sentido, vem contribuir de modo eficaz para a prática de cuidado em termos de relações humanas, trabalho e novas tecnologias.

Nesse sentido, Guattari (1993) traz um paradigma ético e estético que inclui a subjetividade, que passa pelo indivíduo, pela sociedade e pela ecologia e que está cada vez mais se expandindo.

“A potência estética de sentir, embora igual em direito às outras – potências de pensar filosoficamente, de conhecer cientificamente, de agir politicamente - , talvez esteja em vias de ocupar uma posição privilegiada no seio dos agenciamentos coletivos de enunciação de nossa época.” (Guattari,1993, p.130)


Michel Maffesoli diz que a estética contaminou o mundo, o sensível o gosto, o próprio encanto com a vida. Estamos portanto numa era dionisíaca, na qual sedução mobiliza mais do que a razão. Não é mais consensual agir de modo autoritário, ou persuadir, mas seduzir, mobilizar os gostos e os sentidos. A mídia faz isso com muita competência.e muitas pessoas também.

Maffesoli (1996, p. 203) diz que o sensível pode soar como um estranho para os racionalistas desvinculados de uma abordagem ecológica que fala da vida em toda sua potencialidade. O sensível pode soar como um estranho para os racionalistas desvinculados de uma abordagem ecológica que fala da vida em toda sua potencialidade. (Maffesoli, 1996, p. 203)

Assim tudo que se refere à sensibilidade, à emoção, ao afeto, ao imaginário permanecerá sempre como algo a ultrapassar, algo que convém desconfiar, algo que nos atrai para a terra, é tendo isso em mente que se pode compreender a dificuldade que existe para os intelectuais, formados nessa tradição, a de imitarem a vasta temática ecologia e, certamente, pensarem todas as suas conseqüências.



A estética do cuidado com a vida e com o corpo, não é um termo unívoco, apresenta aspectos distintos. O cuidado estético no sentido geral é considerado, inclusive como condição para se obter beleza, de modo a ser aceito e valorizado. Em razão disso, o sujeito pode dispor de recursos financeiros e até sacrifícios para obter um corpo belo, desejável atraente, e por não dizer narcísico. O sujeito contemporâneo realiza, jejuns e sacrifícios, abstinências, lipo escultura, ingere pílulas “milagrosas”, anabolizantes, exercícios prolongados entre outros. Nesse caso, o modelo apresentado pela sociedade capitalista e midiática é o corpo do atleta. De modo que se cria esse desejo mimético e muito desejam imitar os artistas do corpo

Esse panorama estético faz parte do contexto atual da sociedade ego-narcísica, da sociedade do espetáculo, onde a estética substitui a ética.(Costa, 1987, 1989). No qual o corpo deve ser fonte de maior prazer e gozo, e por isso deve ser atraente esbelto, sem ruga e sem manchas. Todavia, esse eugenismo e narcisismo, geram mal estar no sujeito atual, pois tende a negar a historicidade e a subjetividade de cada um, em nome de manter a eterna juventude, amiúde oca e vazia (Costa, 1987,1989). Assim os laços humanos e o processo de viver se fragilizam e fogem do ideal grego de beleza, que correspondia um processo harmônico das dimensões do ser.

Portanto, urge trabalhar com a estética, de modo crítico, reflexivo e criativo. Mas é necessário ter discernimento de que estética se esta falando, até por que lidamos com os limites e as possibilidades da vida, como o que é considerado feio e com o que é considerado belo. Haja vista que o padrão estético valorizado é da vertente da estética que remete a sociedade do espetáculo, ego narcísica , de corpos magros, da eterna juventude, portanto, eugênica.

Contudo, é no campo estético que é possível falar do desejo, da sensibilidade no cuidado com o corpo. E o inverso também é verdadeiro, para ter senso estético é preciso sensibilidade e uma ética norteadora das ações humanas. Essa ética que pode nortear a estética na enfermagem, comprometida com a vida humana, independente como ela se apresenta para ser cuidada, como por exemplo idade, corpo íntegro ou não, vida e morte, saúde e doença. Isso remete ao gosto, de procurar novos reajustes, de modo que o cuidado passa a ser confortável e o sujeite encontre uma estética do viver com boa qualidade, que envolve a lógica da realização do desejo. É uma estética que engloba a historicidade do ser, sua subjetividade, a relação entre o dentro e o fora do corpo.

Essa estética comprometida com a ética da vida, que suplanta a diagnose e terapêuticas nosocomiais, ainda não está incluída no campo da saúde de modo efetivo e afetivo. Mas eu quero dizer que é viável a dimensão estética no cuidado, pois a partir dessa dimensão é possível falar do desejo, do gosto, da saúde como parte da felicidade humana numa prática instrumental e da necessidade. Entendo que, nesse campo, a dimensão expressiva foi deixada de lado em detrimento de uma prática tecnicista. Então os discursos de Guattari (1993) e Maffesoli (1998) trazem possibilidades de um campo estético na arte de cuidar que possibilite entender o desejo, a sensibilidade, as vivências que evocam o limite e as emoções que englobem as práticas instrumentais.

Esses aspectos são obviamente filosóficos, são conceitos e abstrações trazidos por filósofos e sociólogos e nem sempre tem um campo empírico delimitado no campo social. Mas diante disso, temos uma prática já construída, institucionaliza, normatizada, legimitimada, que tem parâmetros éticos, técnicos científicos. As ações de enfermagem são protocoladas, apresentam eficácia e buscam bases nas ciências da vida e sociais.

Contudo, podemos considerar determinados aspectos na enfermagem que nos autoriza falar da estética, tais como componente arte dessa disciplina e a base filosófica que tem como sustentação a estética. Mas ao mesmo tempo, a estética tem seus limites no território da saúde, possui tempo e espaço circunscritos. O cuidado de enfermagem se desenvolve num limite de tempo, enquanto as práticas de cuidados com a vida, no sentido latu, são realizadas pelo sujeito de modo permanente. É evidente que essas práticas recebem constantes influências da cultura biomédica dentre outras. O cuidado direto ou indireto dentro das circunstâncias institucionais, não constitui um “cuidado natural”, que emana dos grupos humanos, mas artificial, no sentido de ser produzido dentro de parâmetros técnicos e científicos, num aspecto efetivo, sem a afetividade.

Os sujeitos que são cuidados não apresentam graus de parentescos e nem vínculos afetivos “naturais” A relação de cuidado não é formado nesse sentido por vínculos afetivos, tais como se observa nas relações familiares, amorosas e solidárias. Todavia, o sujeito precisa ser cuidado, tratado, mesmo estando consciente ou inconsciente. Assim temos uma missão de promover, prevenir e cuidar. É evidente que o sujeito pode aceitar ou recusar esses cuidados, pois é cognoscente, mesmo, estando fragilizado pela doença.

Mas mesmo se tratando de ações artificiais, padronizadas, técnicas científicas, podemos colocar alguns aspectos, que são oriundos da psicologia e da sociologia sensível para favorecer a compreensão desse aparente paradoxo.

Nesse sentido, toda relação que envolve seres humanos, apresenta implicações psicoafetivas segundo Barbier (1985). Por mais técnico que o sujeito seja, existem as implicações humanas na relação, e o cuidado só pode ser bem efetivado no seu sentido amplo, se existir uma afetividade, que é obviamente amparada pela ética. Isso quer dizer que uma aparente neutralidade ou “frieza” no tratamento, já produz efeito na relação do cuidado.

Existe a transferência e a contra-transferência nesse processo de cuidado, mesmo não de tratando de uma relação psicoterapêutica no sentido estrito. Mas em que consiste esse processo ? Vejamos, toda pessoa que é cuidada, transfere sentimentos e expectativas para o cuidador e muitos desses sentimentos evolvem questões psíquicas do sujeito que emanam quando as condições da saúde estão em jogo. Esse processo é utilizado com recurso terapêutico na psicoterapia. Mas mesmo nas práticas circunscritas pelas ações de cuidado, esse aspecto emerge e precisa ser mais estudado e trabalhado.

Com efeito, a relação precisa ser terapêutica e a personalidade de quem cuida também. O tecnicismo exacerbado e a produção em série do cuidado, extraíram esse componente humano de proximidade, confiança e aliança terapêutica, predicados que os chamãs e pajés possuíam Desse modo, o processo transferencial de quem é cuidado pode ser positivo ou negativo. O poder relacional no contexto da saúde, tendo a ignorar o sujeito que fala de seu contexto, tentando-o desacreditá-lo, podendo nomeá-lo como problema ou doença.

Quem cuida também transfere sentimentos e expectativas para o sujeito. Sentimentos, inclusive, semelhantes ao grau de parentesco, gostar, não gostar, emissão de juízos de valores. Essa atitude, pode ser consciente ou não, de modo que o sujeito pode utilizá-lo para ajudar ou prejudicar as ações de cuidado. Isto seria um processo contra-transferencial, diante de que está sendo cuidado.

Todavia, por dizer que a relação é afetiva, não significa que se trata de uma relação de amizade, de parentesco, dentre outras e nem que temos que atender as demandas de cunho neurótico do sujeito. Mas desenvolve-se um laço afetivo terapêutico, norteado pela ética de cuidado, no qual a empatia, a compreensão e as atitudes de promoção da saúde são essenciais. Nesse caso, os recursos técnicos e a personalidade do enfermeiro estão em jogo para o progresso terapêutico.

Certamente, precisamos nos conhecer em nossas singularidades e mais ainda, é necessário aprender conhecer como ocorre o processo de conhecimento, na perspectiva de Maturana e Varela (2001), tendo em vista que nossos pensamentos, percepções, sentimentos estão condicionados aos antigos modelos de atenção em saúde, que precisam ser transformados. Para se se deslocar dos antigos modelos é necessário realizar reflexões conjuntas sobre o processo de ensinar/cuidar, de uma modo que se trabalhe com a subjetividade.Essa maneira de perceber instiga cada um a voltar para si mesmo e pensar como se aprende a conhecer e como isso se processa.

Quem cuida pode gostar ou não gostar do cuidado, é mais uma vez o estético entra em cena, e essa motivação que se expressa nas atitudes e expressões do profissional é captada e metabolizada pelo cliente. Destarte, a realização e prazer no trabalho são importantes e necessária para a qualidade de vida de quem cuida e de quem é cuidado. O cliente também pode não gostar do cuidado, mas se for numa relação terapêutica compreensiva pode modificar sua percepção e transformação. Enfim, existe uma gratificação de um cuidado eficaz, um prazer de cuidar bem.

O ambiente tem seu efeito estético e ecológico implicado na saúde. Quando se cria um ambiente agradável e interativo, se favorece a terapêutica do cuidado, de modo a melhorar o conforto e a qualidade de vida de que é cuidado, e de quem trabalha nesse ambiente. É importante considerar o ambiente como algo vivo interativo, que abarca os seres vivos existentes e seus processos culturais e sociais.

A relação, as técnicas, os odores, os olhares, as cores, os toques, a ecologia, trazem algo que falam do sensível, do gosto, que repercutem no bem estar das pessoas que são tratadas e que também trabalham no contexto da saúde. Os sujeitos que são cuidados querem viver, buscam a qualidade de vida, se preocupam com sua imagem corporal e uma estética. Claro que não se pode esquecer a alienação e os transtornos neuróticos que distorcem o desejo de vida humana.

Esses exemplos mostram possibilidades empíricas da estética do cuidado, de reflexões e criação de conceitos. A dimensão sensível abre caminho para o componente artístico, e sinaliza que a enfermagem, além da técnica, possui uma estética. Lidar com o estético pode contribuir para potencializar os sentidos do sujeito, ampliando seu campo perceptivo para a vida e para as ações cuidadoras e reparadoras, que são indicativos do convívio humano, da vida em grupo e em sociedade.



CONSIDERAÇÕES FINAIS
O profissional que trabalha com o cuidado com o corpo, está inserido numa malha social de relações, de modo que é afetado pelo contexto e pelas transversalidades que entram em cena nas ações. Entendo, que quando o sujeito trabalha com a subjetividade, amplia as possibilidades de percepção, do pensamento, do sentimento e da intuição. Neste caso, falo do desenvolvimento de uma competência e não de numa noção vaga, sem sentido e ineficaz dos objetivos tratados.

Portanto, o que se instaura neste momento, na arte de cuidar, é o cuidado com os sentidos, gostos e percepções comprometidos eticamente com a vida. A ética se expressa pelo respeito, pela solidariedade e pela aceitação das diferenças.

O redimensionamento de saberes na enfermagem, na perspectiva de um paradigma estético e ético, mobiliza a sair de um sentimentalismo ingênuo, da teoria da multicausalidade para uma perspectiva do humano, como um ser dotado de linguagem, de desejo, interativo, contraditório e capaz de produzir utopias e reinvenções. E assim temos que pensar o cuidado com o corpo, subjetivo, técnico, emocional e político.

É importante, ampliar o leque perceptivo e não se restringir a formas convencionais de usar os sentidos, como fez a modernidade priorizando a visão, que influenciou acentuadamente o campo da saúde. Além do mais, os outros sentidos tais como a audição, o tato, a intuição e a percepção sinestésica, precisam ser redimensionados na arte de cuidar.

O enfoque na dimensão sensível do cuidado vem demonstrar a importância de apostar nas relações humanas e na subjetividade no cuidado. Tal posição resgata os saberes das ciências humanas, que não são, suficientemente, valorizadas na prática do cuidado institucionalizado. Junto a estes aspectos, trago para este trabalho a necessidade de olhar o corpo humano, numa outra perspectiva, além do modelo mecanicista e cadavérico.

Enfim, finalizo meu pensamento nas seguintes frases:

O cuidado de enfermagem enquanto arte tem limites, estabelecidos pelo instituído.

O cuidado ainda se norteia pelo conceito do de normal e patológico.

O enfermeiro precisa reconhecer as transversalidades e as diversidades culturais que permeiam as formas intituídas do cuidado.

È possível transformar a tecnologia e o conforto do sujeito.

Cuidar implica em investimento afetivo e de capital. O cuidado com a vida e com a saúde, é norteado pela lógica de mercado, de modo que existe uma mercantilização da saúde, apesar das conquistas sociais.

Existem jogos de poder no cuidado, que interferem em suas finalidades terapêuticas.

Ocorrem implicações psicoafetivas de quem cuida e de quem é cuidado, e isso precisa ser visto.

O cuidado envolve o ambiente e a ecologia, como território vivo interativo dos fenômenos humanos e não humanos. O cuidado de enfermagem não se restringe ao leito, a clínica hospitalar, mas ao campo social.

O cuidado de enfermagem está dentro do contexto de saúde e abarca os diferentes níveis de atenção e a complexidade.E precisa acompanhar os marcos de rupturas diante das conquistas sociais.

O cuidado é direto e indireto, instrumental e expressivo, humano e não humano. Mas o cuidado de enfermagem é humano, mas reconhece a ecologia.

O respeito à diferença, à diversidade e aos valores, não pode ser banalizado, e merece ser pensado e incluído no ensino e na assistência de enfermagem. Enfim, uma atitude transdisciplinar torna-se necessária.



REFERÊNCIAS
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Marcos Vieira disse...

Aula de Vôo


O conhecimento

caminha lento feito lagarta.

Primeiro não sabe que sabe

e voraz contenta-se com cotidiano orvalho

deixado nas folhas vividas das manhãs.



Depois pensa que sabe

e se fecha em si mesmo:

faz muralhas,

cava Trincheiras,

ergue barricadas.

Defendendo o que pensa saber

levanta certeza na forma de muro,

orgulha-se de seu casulo.



Até que maduro

explode em vôos

rindo do tempo que imagina saber

ou guardava preso o que sabia.

Voa alto sua ousadia

reconhecendo o suor dos séculos

no orvalho de cada dia.



Mas o vôo mais belo

descobre um dia não ser eterno.

É tempo de acasalar:

voltar à terra com seus ovos

à espera de novas e prosaicas lagartas.



O conhecimento é assim:

ri de si mesmo

E de suas certezas.
É meta de forma

metamorfose

movimento

fluir do tempo

que tanto cria como arrasa



a nos mostrar que para o vôo

é preciso tanto o casulo

como a asa





Mauro Iasi